quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Nossos planos são muito bons


Nossos planos são muito bons, como na canção dos Doces Bárbaros, nosso planos são recicláveis, como os de mil novecentos e antigamente, nossos planos são os mesmos que se arrastam per secula secularum, nossos planos são tão conhecidos, tão íntimos, eles nos acompanham há tanto tempo que viram nossos amantes, nossos melhores amigos, nossos planos renascem a cada fim de ano como os nossos melhores cúmplices.
Nossos planos sabem que se os realizássemos todos a vida perderia a graça, seríamos perfeitos demais, estaríamos todos magérrimos, malhados, gozando a saúde dos deuses ou dos imortais da Academia Brasileira de Letras, seríamos todos um bando de Davids Beckmans e Giseles Bündchens.
Nossos planos são bons, mas sinto muito por eles, coitados, mais uma vez não serão cumpridos na íntegra no ano da graça de 2010. Cumpriremos, no máximo, os 10% da humaníssima cota do possível, os 10% do garçom, justa medida.
Nossos planos são muito bons e nunca foram atrapalhados por crise alguma. O que nossos planos enfrentam para valer é uma invencível guerra interna nos fracos juízos repletos de defeitos de fábrica.

Nossos planos são muito bons, mas, como sempre, ainda temos o benefício da dúvida, ainda temos a complacência e, se por acaso, faltar alguma conversa fiada no estoque, botamos a culpa nos outros – nosso inferno mais próximo.

Nosso planos mal devoram a ceia do Natal, nosso planos famintos, nosso planos eivados pela fome histórica de todos os semiáridos e Jequitinhonhas, e lá estão nossos planos a dormir a mais preguiçosa das sestas espanholas.

Nossos planos estão dengosos, como nunca, para qualquer ano-novo, nossos planos querem colo, nossos planos odeiam uma academia de ginástica, um cooper às cinco da manhã, uma dieta saudável.

Nossos planos não tem medo do colesterol e dos check-ups, nossos planos adoram uma extravagância e uma desobediência repetida.

Nossos planos não se desgastam à toa, não vivem estresse, não andam de automóvel na cidade grande, nossos planos são eternos pedestres e adoram uma rede depois do almoço.

Nossos planos são do mato e ruminam um capinzinho entre os dentes manchados pelo cigarro mineiro-baiano do tempo.

Nossos planos se espreguiçam, estralando todas as juntas e costelas, quando ouvem falar outra vez de novos planos.